Nos dias de hoje vivemos numa sociedade onde a mulher tem uma pressão constante sobre a sua imagem, há um certo "padrão" de beleza que lhes é imposto pela sociedade maioritariamente através da imprensa e das redes sociais, sendo este ultimo o mais perigoso.
O "padrão" mais vendido é simples, tens de ser "magrinha", ou seja uma aparência esguia e o exponente máximo deste padrão é as modelos de passerele, que têm um nível de gordura e massa magra extremamente baixos.
Hoje em dia a grande maioria das mulheres sabe que aquele "padrão" não é saudável a longo termo e pode ser destrutivo para a sua saúde. Mas no seu lugar surgiu um novo "padrão"...
O novo "padrão" é ser "tonificada", ter um look definido e atlético, é isto que a maioria das mulheres procura.
Não tenho problema nenhum com isto, pelo contrário, acho excelente para a saúde da mulher e em termos estéticos muito mais apelativo que uma "modelo de passelere".
O meu problema está com a ideia que as mulheres têm do processo e de como atingir este "padrão", e aquelas que o levam ao extremo.
Maioria das mulheres pensa que ficar mais tonificada passa por perder gordura, e no caso de ser uma mulher obesa o processo passa por ai efetivamente, mas pela minha experiencia a grande maioria das mulheres não precisa de perder gordura, apenas precisa de mais musculo.
O foco é sempre "perder gordura" e não devia ser isso, o foco deveria ser construir musculo, mesmo que a mulher em questão efetivamente precisasse de baixar a %gordura.
Porquê?
Musculo é o que dá o aspeto atlético, tonificado que a maioria das mulher procura. Musculo é que dá a forma ao corpo!
Aumento de massa muscular leva a um aumento do metabolismo, aumentando o gasto calórico diário basal e por consequência levará a uma perda de gordura gradual se a ingestão calórica diária for mantida.
Musculo é saúde, Musculo está associado com menor risco de doenças crônicas, menor risco de depressão, melhor saúde hormonal, mais energia e vitalidade, melhor saúde cognitiva, aprendizagem e memoria. Maior quantidade de musculo está associado a menor risco de quedas, menor taxa de mortalidade, maior chance de envelhecimento saudável e mais longevidade.
Eu podia e se calhar deveria fazer um artigo enumerando os benefícios da massa muscular, mas hoje não é o ponto.
O ponto que quero chegar aqui é que quando o objetivo é ficar tonificada, a mulher não deveria se focar em uma dieta restritiva a nível calórico e mais cardio, mas sim focar em treinar hipertrofia e força e ter uma alimentação saudável, equilibrada em manutenção calorica, que foque em nutrir o corpo e dar tudo o que ele precisa para estar bem.
Isto será sempre o melhor caminho para atingir um corpo tonificado, atlético e o mais importante, saudável!
Um grande problema que eu vejo nos ginásios e a razão pela qual estou a fazer este post, é as mulheres que vão para os extremos, aquelas que querem mais e mais.
Falo de mulheres que já estão bem, têm um nível de gordura nos 22%-25%, já têm uma boa massa muscular mas querem ir mais além, ficar "secas", "ver os abs", atingir níveis de gordura super baixos, 12-17%.
Muitas vezes motivadas por "atletas" de Bikini Fitness da área do Bodybulding, influencers de fitness do Instagram, ou até Coach's que querem vender acompanhamento online e incentivam a ir ao próximo nível.
A maioria pensa e acha que estes "níveis de gordura" são um exemplo a ser seguido, uma inspiração, um modelo de saúde e fitness e ambicionam atingir os mesmos resultados.
Mas será que estar "seca", "abs á mostra", "detalhes e traços musculares evidentes", ou seja, tecnicamente falando, uma percentagem de gordura abaixo dos 18% na mulher é saudável a longo termo?
Resposta simples: Absolutamente NÃO!
Vendo cada vez mais destes casos nos ginásios, sinto que é a minha obrigação é expor os efeitos negativos para que as mulheres tenham o conhecimento total antes de iniciar uma jornada para esse extremo.
Resumo dos pontos negativos associados a uma percentagem de gordura abaixo dos 18% na mulher:
Causa problemas hormonais, nomeadamente interrupção ou disfunção do ciclo menstrual, algo que chamamos de Amenorreia. Esta disfunção reduz imenso a produção de estrogênio, que é essencial para a saúde da mulher a vários níveis.
Em mulheres adolescentes pré-puberdade, baixos níveis de gordura e restrição calórica estão fortemente associados com atraso na menarca, crescimento e infertilidade na vida adulta.
Amenorreia na mulher está associado a 50% maior risco doença cardiovascular.
Estrogénio é vital para a densidade mineral óssea da mulher, a falta dele pode provocar problemas como osteopenia, num estudo verificaram que mulheres jovens com 6 meses de amenorreia tinham a densidade óssea equivalente a uma mulher com 51 anos.
Baixos níveis de gordura aumentam os níveis de cortisol que reduzem a absorção de vitamina D no intestino levando a problemas no sistema imunitário.
Baixos Níveis de Gordura estão diretamente ligados a infertilidade na mulher, é preciso ter pelo menos 22% gordura para conseguir ter uma boa fertilidade.
Baixos níveis de gordura levam a aumento dos níveis de cortisol, stress e inflamação.
Baixos níveis de gordura suprimem o funcionamento da tiroide levando a problemas metabólicos.
Mulheres com baixo peso e baixos níveis de gordura estão em maior risco de depressão, ansiedade e dificuldade de lidar com o stress diário.
Mulheres com amenorreia têm maior risco de desenvolver distúrbios alimentares, tais como comer descontroladamente em situações espontâneas, o conhecido "binge eating"
Estrogénio também está envolvido na produção e regulação de neurotransmissores (Serotonina, dopamina, acetilcolina) que regulam o nosso humor, capacidade concentração e cognitiva, memoria e aprendizagem. A falta de estrogênio impacta negativamente este sistema levando a problemas.
Agora a explicação mais longa:
O funcionamento do sistema hormonal da mulher está fortemente interligado com a disponibilidade de energia, ou seja, quando a mulher se encontra numa restrição calórica acentuada durante um longo período e perde uma boa quantidade de peso e gordura corporal atingindo os 17-18% gordura tende a ter problemas na sua produção hormonal.
A sua produção de estrogênio baixa drasticamente porque é no tecido adiposo (gordurinha) que o nosso corpo converte hormonas androgénicas em estrogênio, logo menos gordura menos produção.
Os níveis de estrogénio ao caírem trazem um monte de complicações para a saúde porque o estrogénio é uma hormona super importante para a nossa saúde cardiovascular, cerebral, metabólica, hormonal e imunitária.
Estrogênio é "cardioprotetor", é essencial para ter uma ótima saúde cardiovascular.
Muitos defendem que a grande razão do baixo risco de acidentes cardiovasculares em mulheres em relação aos homens se deve aos maiores níveis de estrogênio. Isto porque após a menopausa (interrupção da produção de estrogênio) o risco de doença cardiovascular na mulher aumenta 2.6 vezes mais em relação ao risco pré-menopausa, o que sugere que o estrogênio é cardioprotetor.
Mulheres que têm ciclo menstruais irregulares ou amenorreia têm 50% maior risco de ter um acidente cardiovascular, o estrogênio é essencial para a saúde cardiovascular da mulher.
Seguimos para a parte óssea, onde o estrogénio é um jogador fundamental.
Estrogênio estimula os nossos osteoblastos (células que formam massa óssea) e outros fatores de crescimento essenciais para a densidade mineral óssea da mulher. Este processo é muito importante porque a mulher construí grande parte sua massa óssea entre a primeira menarca e os 30 anos, depois disso começa a perder massa óssea muito gradualmente, acelerando o processo drasticamente depois da menopausa (quando deixa de produzir estrogénio).
Quando há disfunção da produção de estrogênio a mulher como por exemplo na fase da menopausa a densidade mineral óssea cai a pique, por isso é que vemos que o risco de fratura na mulher sobe imenso após a menopausa, basicamente a estatística é esta, após os 50 anos 1 em cada 2 mulheres sofre uma fratura óssea.
Ou seja ter amenorreia derivada de baixos níveis de gordura vai provocar graves danos na densidade mineral óssea da mulher, se for uma mulher jovem, o efeito a longo termo pode ser desastroso porque não terá o estrogênio essencial para a formação de massa óssea que precisa para o resto da sua vida.
Resultado prático disto, maior risco de fratura em idades mais avançadas, que leva a imobilizações prolongadas e maior risco de mortalidade. Só para terem uma noção, uma mulher que fratura a anca ou um fémur após os 65 anos de idade tem 40% maior chance de morrer nos primeiros 12 meses após a fratura.
Eu já vi isto de perto, a minha avó teve uma fratura aos 80 anos de idade e morreu passado 1,5 anos.
Numa idade avançada fica "imobilizado" leva a grande perdas de musculo, musculo que é essencial para nossa saude metabólica, musculo que já não pode ser recuperado devido a idade, por isso é que temos de evitar fraturar alguma coisa nestas idades.
Continuando, amenorreia aumenta os níveis de cortisol, aumentando os níveis de stress. Isto reduz a absorção de vitamina D, suprime a função da nossa tiroide, levando a problemas metabólicos.
Estrogênio também impacta o nosso cérebro, capacidade cognitiva, humor, memoria e aprendizagem.
Os nosso neurónios comunicam através de de sinais, é assim que conseguimos raciocinar, pensar, sentir emoções, aprender, e guardar memorias.
Estes sinais chama-se neurotransmissores, já deves ter ouvido falar dos mais importantes, a dopamina que nos motiva, serotonina que nos deixa felizes, a acetilcolina que nos faz racionalizar melhor, ou seja, sem eles não éramos a espécie evoluída que somos hoje.
A falta de produção de estrogénio impacta na produção de neurotransmissores, sobretudo a produção e funcionamento do neurotransmissor Serotonina, o neurotransmissor da felicidade. Inúmeros estudos mostram que deficiência na produção de serotonina causa depressão, por isso é que há um aumento do risco de depressão em mulheres com amenorreia.
Mulheres com amenorreia estão mais propicias a desenvolver distúrbios alimentares.
Isto é uma associação lógica e fácil de entender. A maior parte das mulheres que desenvolve amenorreia, fá-lo através de uma restrição calórica acentuada, muita atividade física ou níveis de stress muito altos (que também são causados por níveis baixos de gordura), isto leva a os níveis de stress subam, o peso e os níveis de gordura caiam. Isto é muito comum atletas de alta competição onde a exigência física é elevada e controle muito rigoroso a nível alimentar.
A maioria das mulheres precisa de uma percentagem de gordura acima dos 22% para funcionar otimamente, por isso o corpo quando sente que está a perder peso e volume de gordura, passando para níveis abaixo dos ótimos, os níveis de stress aumentam e ele entra em modo de segurança.
Um dos mecanismos de segurança é aumentar o apetite, para nos fazer comer mais de modo a voltarmos a subir o nosso peso.
Quanto mais tempo for a restrição calórica e maior a perda de peso, maior vai ser o aumento de apetite e desejo por comida. Uma pessoa consegue manter-se controlada nos primeiros meses quando vê os tais resultados que quer, mas a longo termo esta "luta" contra o apetite torna-se esgotante e pode resultar em distúrbios alimentares como por exemplo episódios de "binge Eating", ou seja, vão fazer a sua "refeição livre" e comem tudo o que aparece a frente, e não conseguem parar de comer causando problemas digestivos e metabólicos.
O efeito mais devastador de ter níveis baixos de gordura, a Fertilidade.
Sem um funcionamento otimo do ciclo menstrual não é possivel engravidar, é preciso uma boa produção de estrogenio para haver ovulação, coisa que como já vimos é comprometida quando a mulher desenvolve amenorreia derivado de baixos níveis de gordura.
Os investigadores constatam que a %gordura mínima para otimizar a fertilidade é de 22%, por isso se quiseres ver "abs" vais ter de trocar a tua fertilidade.
Muitas mulheres dizem "ok, para mim tá ok essa troca, tambem não quero ter filhos agora".
O problema é que podes querer mais tarde, isto acontece sobretudo em mulheres mais novas, estudos mostram que ter amenorreia prolongada, pode causar atrofia dos músculos do útero e alterações na mucosa do útero, muitas destas alterações são comuns nas mulheres em pós-menopausa.
Ou seja, se passares muito tempo sem "periodo", podes comprometer a tua fertilidade a longo termo, claro que isto depende da duração e da pessoa.
Para finalizar, para as mulheres na puberdade e fase inicial da vida adulta, devem evitar andar com um peso muito baixo e níveis baixos de gordura é 3x mais importante.
È nesta fase que o vosso sistema hormonal está a desenvolver e maturar, estão na fase de maior crescimento da vossa densidade mineral óssea, é nesta fase que estão em crescimento, o estrogénio é ainda mais essencial nesta fase e deficiências na sua produção podem causar danos irreparáveis para o futuro.
Como reverter Amenorreia?
Felizmente há solução, e é bem simples, basta aumentar a ingestão calórica e reganhar o peso perdido e subir a % de gordura para valores saudáveis, 22%-27%.
O ciclo menstrual tende a voltar ao normal após as condições que falei acima forem atingidas. Algumas mulheres podem demorar um pouco mais, isto tudo depende da duração da amenorreia. È um jogo de paciência, pessoalmente já ajudei algumas mulheres a reverter, o que verifiquei é que quando maior o tempo que a mulher esteve em amenorreia, maior o tempo de recuperação.
Por vezes pode demorar anos a recuperar, por isso não é coisas de dias ou semanas.
Mulheres acima dos 30-40 anos, podem já não recuperar o ciclo menstrual mesmo recuperando o peso e níveis de gordura, isto porque amenorreia em idades mais avançadas pode antecipar a menopausa.
Considerações finais:
A mulher não foi feita para estar com os "Abs" a mostra, toda o seu funcionamento corporal, principalmente hormonal depende de uma boa produção de estrogênio que precisa de células de gordura, logo ambicionar estes "físicos" não é algo recomendado se quiseres manter a tua saúde e fertilidade.
Não vás atrás de influencers do Instagram, a maior parte das fotos são editadas e caso sejam verdadeiras isso não é um "físico" saudável, muitas delas desenvolvem problemas a longo termo para manterem físicos daqueles. Não que queiram, a grande maioria nem sabe das consequências, apenas sabe que aquele "físico" vende.
Outro problema são os "Coach's Online" que puxam as suas clientes a ficar mais e mais magras, como se fosse algo de bom, muitos deles não têm formação a nível de saúde e nem sabem as consequências que isso traz para a saúde. A maioria deles apenas quer que chegues a esse nível de gordura para postar a tua foto do "antes e depois" no Instagram e ter mais clientes.
Por isso ignora tudo isso, se quiseres ter uma ótima saúde, tens de ter uma boa % gordura, idealmente entre os 22-27%, claro que há exceções a regra, a mulheres que se dão bem nos 20%, mas é raro as mulheres que conseguem estar abaixo disso e manter uma saúde ótima.
Se tinhas ideia em tentar fazer uma dieta extrema para ver os "abs" e com o meu post reconsideraste e abandonaste essa ideia, eu fico feliz, faz-me impressão ver cada vez mais casos desses.
Cuidem-se!
Referencias:
Low energy availability and low body fat of female gymnasts before an international competition (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/25318582/)
Low Body Fat Percentage and Menstrual Cycle Disorders in Female Elite Adolescent Dancers (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/38284148/)
Endocrine disorders in adolescent and young female athletes: impact on growth, menstrual cycles, and bone mass acquisition (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/24601725/)
Cardiovascular risk in menopausal women and our evolving understanding of menopausal hormone therapy: risks, benefits, and current guidelines for use (https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC8111523/)
Hypothalamic Amenorrhea and the Long-Term Health Consequences https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6374026/)
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